Um arquitecto modernista do Porto

Por Sérgio C. Andrade

Desapareceu o autor do Parque Residencial da Boavista/Foco. Um arquitecto que acrescentou à lição do modernismo "uma vertente mais orgânica de solidez, qualidade e conforto"

O arquitecto portuense Agostinho Ricca (1915-2010) morreu domingo, e o funeral realizou-se segunda-feira de manhã, às 10h30, da Igreja de Nossa Senhora da Boavista (ao Foco), no Porto, para o Cemitério Municipal n.º 2 de Matosinhos/Sendim. É um regresso simbólico à igreja que ele próprio projectou (1975-79) e que deixa por uma última vez fisicamente associados o nome de Ricca com a sua obra mais emblemática no Porto - onde nasceu e desenvolveu o essencial do seu trabalho como arquitecto, urbanista e professor.

A Igreja da Boavista/Foco, que só muito recentemente foi completada nas suas múltiplas valências, é um marco na moderna arquitectura religiosa no Porto, pelo despojamento do betão descofrado aparente nas paredes e nos tectos e pelo modo como aproveita a luz natural para iluminar o presbitério. Mas também por conter um Cristo, uma Via Sacra e vitrais de autoria de Júlio Resende.

O complexo da Boavista é, contudo, mais do que uma igreja. É um parque residencial projectado no início da década de 60, que inclui habitação, galerias comerciais com espaços de lazer, um hotel (Tivoli) e um cinema (encerrado desde 1997), tudo em volta de um amplo espaço verde. "É um complexo especialmente interessante, porque é a expressão de uma arquitectura devedora da estética modernista de Le Corbusier e da sua defesa de construção de habitação em zonas verdes, mas a que Ricca acrescenta uma vertente mais orgânica de solidez e de conforto", diz o professor e crítico de arquitectura do PÚBLICO Jorge Figueira. O facto de ter sido desenhado em 1962 mas ter sido construído em várias fases, acrescenta, explica a evolução de um desenho inicial ainda muito racionalista e despojado para "um diálogo com os upgrades que a arquitectura foi entretanto adquirindo".

"O Foco é uma praça interior, com jardim e vegetação, canteiros e passeios", à volta da qual se foram edificando blocos com os materiais à vista de grande qualidade e acabamentos cuidados.

O crítico salienta também, no Porto e ainda na Boavista, a torre de habitação Montepio Geral (1960-61), "igualmente muito bem desenhada, com grande rigor construtivo e materiais de qualidade", o que era apanágio da arquitectura de Agostinho Ricca.

Para além destas e outras obras de habitação no Porto e Grande Porto, desenhou o Santuário de Santo António, em Vale de Cambra, a Câmara Municipal de Santo Tirso e o Palácio da Justiça de Baião.

Nascido no Porto em 1915, Agostinho Ricca Gonçalves diplomou-se em Arquitectura na Escola Superior de Belas-Artes da cidade, onde foi discípulo de Marques da Silva. No início da sua carreira, trabalhou com outro arquitecto que deixou marca na cidade, Rogério de Azevedo, nos Monumentos Nacionais (colaborou no restauro do Paço dos Duques de Bragança, em Guimarães) e integrou o Gabinete de Urbanização da Câmara Municipal do Porto.

Em 1947, integrou o grupo fundador da ODAM (Organização dos Arquitectos Modernos) e, em 1953, fez parte da equipa convidada por Carlos Ramos para renovar o ensino desta disciplina na Escola das Belas-Artes. Foi professor entre 1953-59 e 1971-77. No final dos anos 90, quando a cidade debatia a localização e a escolha do projectista para a Casa da Música, tentou convencer a Sociedade Porto 2001 a admitir a concurso o seu projecto de um Palácio da Música, que queria implantar no Parque da Cidade. Mas não conseguiu concretizar esse desejo.

Via: http://jornal.publico.clix.pt/noticia/19-01-2010/um-arquitecto-modernista-do-porto-18616667.htm

 

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